Uma Professora uma História


O De Olho em Grajaú tomou a liberdade sem a devida licença da família, para suposta publicação em sua redação, sobre a professora Lúcia, um exemplo de trabalho e humildade, texto abaixo feito por seu filho Thallys Barreto, uma homenagem mais que justa de um filho e de conhecimento dos grajauense.
O proprietário do blog, também fez parte da história da professora Lúcia além de uma ótima educadora, foi uma especial amiga, nada mais justo do que prestarmos nosso reconhecimento encima de uma homenagem criada pela família.

A PROFESSORA


Lúcia Raimunda Cunha Barreto chegava da escola cansada, uma vez ou outra se queixava, uma vez ou outra contava uma história engraçada, todos riam. Almoçava e tirava um coxilo, as 13:30 acordava, tomava banho e saia. Subia a ladeira no sol quente, aquele sol de rachar, mas continuava... Outros alunos a esperava.
Sei que o sonho de Lucinha nem sempre foi ser educadora, mas as circunstâncias a levaram aceitar esta tarefa, pois sua condição econômica nunca fora demasiada. Quando criança Lucinha para puder ir a escola dividia uma só camisa entre as suas irmãs, o material didático não era novo e nunca fora comprado, era dado mesmo, Luxo? Luxo Lucinha não conheceu, luxo para ela era estar viva!
Ela gostava mesmo era do cuzidão, do feijão e da carne... E sempre que o sino batia toda vez meio-dia Lucinha se benzia e agradecia a Deus por aquela comida, pois ela sabia o que era não ter o que comer.
Chegava à escola cansada, tanto do sol quente, como das ladeiras inclinadas que já eram um desafio para a sua idade e condição física, suas costas doíam do peso que carregava. Adentrava a sala e lá exercia o seu oficio dignamente, mesmo quando o barulho era muito, mesmo quando o aluno nem se interessava, mas ela continuava... Esbravejava com a sua voz o conteúdo a serem ministrados; suas veias quase saindo e, o pó do giz invadindo a narina e garganta irritava a sua paciência, que já era curta e cheia de personalidade.
Lucinha aprendeu... Aprendeu a gostar do seu oficio e fazia de bom grado e esperançosa de realmente preparar seus alunos para o futuro. Nas comemorações sempre era a primeira a ser requisitada, isto devido o seu tino as artes, principalmente o artesanato, ela tinha alma de artista, mas a perdera por causa do capitalismo.
A vida de Lucinha era a docência, de dia ia para escola, voltava triste, percebia que alguns alunos iam só pelo lanche, mas era porque eles tinham fome, passavam dias sem mastigar nada, engoliam a seco, quando chegava à sua casa fazia uma cesta básica e perguntava a seus filhos se tinha alguma roupa que não era mais usada, no outro dia juntava tudo e levava para as crianças, ela sentia-se útil e livre, fizera realmente algo.
Indignada via claramente o desrespeito para com a sua classe, para com a educação, sentia na pele as míseras condições que o governo oferece para a formação de indivíduos, sem nenhum suporte financeiro, social, psicológico, alimentício e por ai vai, mas Lucinha continuava...
Lucinha graduou-se em história, ensino superior, fizera isso pensando no aumento de salário, mas ela aguarda até hoje a sua promoção, fizera isso pensando no futuro de seus filhos. Lucinha é uma mãe espetacular, Lucinha é uma mãe!
Pessoa alegre, espevitada, extrovertida, curiosíssima, boa mãe, boa irmã, verdadeira amiga, sem papas na língua, mas receava o homem, porque é mal e injusto. Lucinha refletia: Os sonhos existem, para aqueles que não conseguirão concretizar o que desejam, a realidade é o sonho deles, e isto basta! E Lucinha continuava... Mas depois das alegrias vieram às perdas, veio o frio noturno atormentar-lhe o sono. Lucinha adoeceu! Tudo o que Lucinha queria era o seu aumento e sua aposentadoria, não conseguiu nenhum dos dois, Lucinha queria descanso.
Lucinha sempre apegada à fé pensava persistentemente em viver, lutava bravamente, e na saudade voltava pra sua terra, pra esquecer as agonias. Mas Ela já sentia fraco o corpo e a alma cansada, do meio pro fim passou a pensar:
Encontramos-nos presos, encarcerados, um cárcere para a maioria invisível. Vamos mofando enquanto enchemos os bolsos dos outros. Enquanto há um mundo para conhecer, nós vamos de casa pra escola, ou de casa pro trabalho, é um ciclo vicioso! Penso que perpetuaram uma cronologia de vida errada, pois na verdade nós: nascemos, estudamos, estudamos, estudamos mais um pouquinho; trabalhamos, trabalhamos, nos escravizamos um bocado, e já no fim, esperançosos ainda de "curti" a vida a “la carpe diem”, esperançosos de gozar a mísera aposentadoria... Morremos! Ter conhecimento é bom, mas á décadas, séculos que não estudamos para ter uma elevação espiritual, fazemos esse ritual simplesmente com o objetivo de ser bem sucedido e ter status, o conhecimento hoje virou sinônimo de perpetuação das desigualdades, e a coloco aqui em todos os âmbitos, como também de um modelo de vida escravizador, estudamos para ter um bom emprego, e aqueles que não conseguem vivem a margem, excluídos! Vamos alimentando o bolso desses milionários, que fingem que se importam com as classes menos favorecidas, enganando os bobos, pois eles sabem que somos nós, as formigas operárias, que os sustentamos! É por isso que eles criaram o entretenimento e principalmente essa idéia de que temos que chegar aonde eles chegaram, justificando assim o esforço inalcançável desta cronologia, pois não chegaremos lá, pelos menos a mim não apetece chegar, morrerei feliz conseguindo me satisfazer, por mais que seja insaciável, do que morrer satisfazendo os outros! E foi esse o ensinamento que Lucinha deixou para os seus filhos.
Lucinha desde muito cedo fumava, talvez sentisse certo relaxamento perante os conflitos do dia-a-dia, a pressão que vinha de todos os lados... Alguns dizem que foi do cigarro que Lucinha faleceu, penso que foi a sociedade que a levou, que nos obriga a sermos escravos de uma minoria, e que inventa esses deleites, para satisfazer as frustrações, injustiças e desilusões que eles mesmos causam.
Lucinha veio de uma família de 10 irmãos, ultima a nascer e a primeira a nos deixar. Família de professoras, da qual me orgulho, pois em mim e no meu irmão refletiu o desejo pela leitura e escrita. Professoras dedicadas e empenhadas, de história humilde, mas digna!
Lucinha mãe, preocupava-se com os seus filhos, aconselhava, amava, conversava, mas não muito entendia, pois sabia que seus filhos são tão geniosos quanto ela, Lucinha viverá enquanto viver as suas características.
Lucinha era uma irmã determinada, de opinião certeira, prestativa, ágil nos problemas que a família enfrentava, mas também frágil, sentia as coisas intensamente.
Mas Lucinha sempre fora alegre, seu apelido? TIRULÍ, sempre atribuí a este nome o adjetivo alegria. Quando criança era sempre a primeira em tudo, comandava, Ela sempre teve um tino para liderança, nas comemorações, divertidíssima embalava os outros, era como que sempre fosse à anfitriã. Mas A PROFESSORA, A PROFESSORA foi descansar a sua voz, foi descansar a sua mão.
Ninguém nunca morre enquanto é lembrado, principalmente quando é lembrado pelas letras.

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